sexta-feira, 11 de março de 2011

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A DISTÂNCIA COMO ESTRATÉGIA DE EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR*

RAQUEL GOULART BARRETO**

RESUMO: Este artigo visa analisar estratégias de regulação para a expansão da formação de professores, focalizando os modos pelos quais as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) têm sido recontextualizadas nas políticas educacionais. Para tanto, inclui: (1) os pressupostos, que tendem a não ser objeto de questionamento sistemático; (2) discursos e condições de possibilidade, enfatizando as mudanças contextuais para a sua articulação; (3) marcos regulatórios identificados nos documentos oficiais e nos movimentos para a sua operacionalização; (4) a educação a distância (EaD) como motor da expansão nos setores privado e público; e (5) a substituição tecnológica como chave para compreender o núcleo das políticas atuais.

Palavras-chave: Políticas educacionais. Formação de professores. Tecnologias da informação e da comunicação. Condições de possibilidade. Substituição tecnológica.

Os pressupostos
As relações entre as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e a educação a distância (EaD) têm sido objeto de uma cadeia de simplificações fundadas em pressupostos nem sempre explicitados. O principal deles é o de que o mundo tenha mudado em função de uma “revolução científico-tecnológica”, em cujo centro estariam as TIC. Nesta perspectiva determinista (Wood, 2003), as TIC podem ser pensadas fora das relações que constituem o contexto da sua produção, como se as extrapolassem ou mesmo transcendessem e, nesta condição, também pudessem instaurar uma espécie de “admirável mundo novo”, caracterizado pelo apagamento das múltiplas determinações do real, favorecendo o que Mattelart (2006, p. 235) denominou “tese dos fins ou crepúsculos: fim das ideologias, do político em proveito do management, do fim dos intelectuais contestadores, em proveito da ascensão irresistível dos intelectuais ‘positivos’, orientados para a tomada de decisões”.
Em outras palavras, o determinismo tecnológico hipertrofia as mudanças introduzidas pelas TIC nas práticas sociais, do trabalho ao lazer, passando pelas formas de comunicação, no movimento de desconsiderar suas continuidades em relação às práticas anteriores, como a preservação dos poderes econômicos e políticos constituídos e o aprofundamento da divisão entre possuidores e despossuídos, no que tem sido posto como tecnocapitalismo global, em construções como capitalismo cognitivo, empreendedorismo etc. (Antunes & Braga, 2009). A extrapolação de todos os limites fica mais evidente quando, em lugar do nome genérico (tecnologias) e da sigla (TIC), é usada a expressão completa: tecnologias da informação e da comunicação. Como discuto na seção seguinte, a expressão exige a análise dos modos da sua recontextualização em diferentes campos e escalas.
No campo da educação, o pressuposto de que as TIC, em si, constituem uma “revolução” tem desdobramentos importantes. Entre eles, merecem destaque as relações estabelecidas com a EaD, em pelo menos três aspectos: (1) a associação direta (TIC para a EaD), fundada no movimento aparentemente contraditório de expansão-redução, supondo, de um lado, que as TIC sejam “a solução” para todos os problemas, incluindo os extraescolares, e, de outro, seu uso intensivo e quase exclusivo para a EaD, visando especialmente à certificação de professores; (2) a proposta de EaD como substituição tecnológica, apoiada na flexibilização gerencial, apagando as diferenças constitutivas dos modos de acesso às TIC; e (3) a suposta centralidade atribuída às TIC nas políticas educacionais, elidindo a perspectiva de formação baseada em competências, tanto na configuração dos processos, quanto como alternativa de triangulação para promover resultados, na condição de elo entre diretrizes ou parâmetros curriculares nacionais e avaliação centralizada.
Assumindo que as TIC podem contribuir significativamente para os processos educacionais, sem fetichização, é necessário questionar as razões pelas quais elas têm tido como destinação prioritária a EaD que, por sua vez, posta como “modalidade de ensino”, suscita questões relativas
à sua configuração e objetivação, envolvendo os modos pelos quais ela tem sido pensada.
Não sendo posto em xeque o estatuto ora atribuído, aqui devidamente aspeado, a EaD pode ser objetivada a partir da sua especificidade em relação ao ensino presencial e, especialmente, em função do seu modus operandi (sendo a única não nomeada em função do nível de ensino ou da clientela a que se destina, mas ao modo da sua realização), podendo mesmo dispensar discussões substantivas, em função da centralidade das TIC para a veiculação dos materiais de ensino e para o seu gerenciamento. Por outro lado, partindo da constatação de que a EaD configura estratégia central nas políticas educacionais, a discussão, antes e para além de quaisquer considerações operacionais, precisa dar conta das várias dimensões da sua inscrição histórica.
A primeira perspectiva é hegemônica. A segunda sustenta os encaminhamentos a seguir, pretendendo contribuir para a abordagem dialética das relações privilegiadas no título.


Artigo publicado na revista Educação e Sociedade, Campinas, V. 31, N. 113, p. 1299-1318, out-dez. 2010

* Texto baseado em pesquisas com financiamentos do CNPq e da FAPERJ.
** Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: raquel@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário